Estimulado pela melhoria geral nos padrões de vida da população e pelo interesse cada vez maior dos consumidores por produtos naturais e saudáveis, o consumo de mel tem crescido em todo o mundo e em países como a Alemanha, que se destaca entre os principais importadores, chega a 1,5kg por habitante. A produção não tem sido, porém, suficiente para atender a demanda e vem, inclusive, declinando, afetada por fatores como mudanças climáticas e, principalmente, pelo uso desenfreado de agrotóxicos em diversas culturas. “Não podemos mais usar agrotóxicos com a intensidade que vemos hoje. Isso está matando as abelhas e a biodiversidade”, diz o francês Gilles Ratia, presidente da Apimondia, que congrega entidades apícolas em 80 países. Entre 5% e 6% das colônias (de abelhas) morrem por ano em decorrência do contato que têm com os produtos químicos, segundo ele. Em países mais ricos, o índice salta para 40%.
Pesquisadores de várias partes do mundo se debruçam para descobrir o que está causando o desaparecimento das abelhas, mas não têm dúvidas de que o uso de produtos químicos na agricultura tem contribuído de forma decisiva para a mortalidade dos animais, percebida nos Estados Unidos, na Europa e também na América do Sul. “O resultado disso é que no momento, não há abelhas suficientes para coletar o nectar que há no mundo. Nem se multiplicássemos a quantidade por 10 vezes seria suficiente”, diz Ratia.
Ele é um dos palestrantes do 10º Congresso Iberolatinoamericano de Apicultura, que começou no dia 11 e segue até amanhã em Natal reunindo mais de mil apicultores, meliponicultores (criadores de abelhas sem ferrão) e pesquisadores e que tem perspectiva de movimentar cerca de US$ 3 milhões em negócios.
Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, o especialista, que liderou na França e depois na Europa uma campanha para proteção das abelhas contra os agrotóxicos, disse que as consequências do uso desse tipo de produto sobre a apicultura têm sido sentidas, com mais força, por países como a Argentina, que até cinco anos atrás disputava com a China o posto de maior produtor de mel no mundo. O crescimento da produção de soja no país fez crescer o uso de produtos para combater pragas e doenças que causam danos às plantações, o que foi decisivo para que o volume de mel produzido levasse um tombo superior a 40% e passasse de 90 toneladas para 50 toneladas/ano.
“É preciso que tenhamos uma boa visão de futuro, desenvolvendo a agricultura de forma sustentável, investindo na agricultura orgânica (sem o uso de agrotóxicos)”, frisa Ratia, acrescentando que se a demanda por mel continuar a crescer poderá ser preciso partir para a produção artificial do produto, como forma de atender a procura dos consumidores.
O geneticista e pesquisador Lionel Gonçalves, egresso da USP e atualmente integrante da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), diz que não há um levantamento oficial sobre os danos que os agrotóxicos têm trazido à atividade no Brasil, mas observa que o problema é percebido com mais intensidade em estados como Minas Gerais e em São Paulo. Os inseticidas do grupo neonicotinóides têm se apresentado como os mais nocivos, porque causam transtornos à parte nervosa das abelhas, fazendo com que percam a noção de sentido, de orientação.
Produção pode sofrer baque em 2010
Mesmo que não esteja imune aos agrotóxicos e às mudanças climáticas, a produção brasileira de mel vem atravessando um período de crescimento vertiginoso, com uma parcela de contribuição cada vez mais forte do Nordeste nesse movimento. Hoje, estima-se que das 50 mil toneladas que o país produz por ano, 30% sejam ofertados pela região, que tem o Piauí como maior produtor e o Rio Grande do Norte como segundo no ranking. Com a seca registrada este ano, há perspectiva é, no entanto, que haja um baque na produção. “Não é por falta de abelhas, mas sim por falta de florada. Sem florada, não tem néctar, não tem pólen e as abelhas não podem produzir”, diz o geneticista Lionel Gonçalves.
Ele explica que o avanço da produção nacional está diretamente ligado à chegada da abelha africanizada no país, fruto de cruzamento entre abelhas africanas e europeias. Os animais frutos desse cruzamento ficaram mais resistentes a doenças e atingiram índices mais elevados de produtividade. “Antes da chegada dessa abelha, em 1957, a produção nacional era em torno de 3 mil a 5 mil toneladas/ano. Hoje temos mais de 50 mil toneladas/ano. E nos últimos 10 anos a produção do Nordeste passou a ser extremamente importante”, diz ele. A região e o Rio Grande do Norte têm, segundo ele, muitas áreas sem agrotóxicos e propícias à exploração da atividade, mas carece de centros de pesquisa na área. No RN, a Ufersa e o Sebrae criaram o primeiro Centro Tecnológico de Apicultura, que já está produzindo análise de mel para exportação. Mas, na visão do especialista, é preciso investir mais nesse campo como forma de melhorar a tecnologia de produção e a qualidade do mel.
Outro desafio que não só a região, mas o Brasil tem em mãos é a necessidade de estímulo ao consumo do mel. Para se ter ideia da realidade hoje, cada brasileiro consome, em média, 120 gramas do produto por ano. Na Alemanha, o consumo per capita anual chega a 1,5 kg e na França a 800 kg/ano. Para que os brasileiros insiram o produto com mais força na alimentação, a Confederação Brasileira de Apicultura, em parceria com o Sebrae e a Fundação Banco do Brasil, estão desenvolvendo o programa nacional “Meu dia pede Mel”, cuja pretensão é fazer o consumo crescer a um ritmo de no mínimo 10% ao ano.