Anunciado há dois meses pela presidente Dilma Rousseff, o último pacote de medidas contra a seca, estimado em R$ 9 bilhões, demora a chegar ao semiárido.

A entrega de milho atrasou, cisternas estão abandonadas ou apresentam problemas, a oferta de carros-pipa não teve o aumento prometido e apenas 30% dos recursos para perfuração de poços foram liberados.

Diante da maior seca dos últimos 50 anos, que afeta dez milhões de pessoas em 1.418 municípios do norte de Minas Gerais e do Nordeste, foram as poucas chuvas que aliviaram a situação. As precipitações fizeram crescer vegetação rasteira que alimentou os rebanhos, mas foram insuficientes para que houvesse colheita.

Para alimentar os animais, o governo havia prometido enviar 340 mil toneladas de milho em abril e maio.

Nesses dois meses, só 151 mil toneladas (44% do total) foram repassadas, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Outras 138 mil toneladas foram enviadas em junho.

Em dez cidades do interior do Ceará que a Folha visitou há duas semanas, produtores rurais diziam que o milho ainda não havia chegado.

Na Bahia, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura também relatou atraso, sobretudo por falhas no transporte e distribuição, sob responsabilidade dos Estados. E, quando o milho chega, há menos do que o previsto.

"Minha cota seria de 20 sacos de milho, mas falaram que só vou ter dez", disse o produtor Francisco Pinheiro, 34, de Milhã (311 km de Fortaleza). Ele e seu pai disseram ter vendido gado a preços baixos porque não tinham alimento para os animais.

CHUVAS - A previsão é que haja ainda menos chuva no semiárido no segundo semestre deste ano. Por isso, a chuva registrada até agora foi importante para encher cisternas.

O governo prometeu entregar 130 mil cisternas até julho e mais 110 mil até dezembro. Há, contudo, problemas nas cisternas de plástico que estão sendo entregues.

Em Canindé (118 km de Fortaleza), a reportagem localizou um depósito com cerca de 200 cisternas expostas ao calor. E moradores, que foram orientados a cavar buracos para as cisternas, esperam pela instalação há mais de três meses. "Gastei R$ 200 para cavar e até hoje a cisterna não veio", diz o agricultor Joaquim da Silva, 73.

Sem chuva, as cisternas dependerão de carros-pipa contratados pelo Exército para distribuir água.

Em abril, havia 4.746 carros-pipa em 777 cidades. Dilma prometeu ampliar a operação em 30%, para 6.170 carros-pipa. Dois meses depois, o Exército tem 5.220 carros-pipa contratados em 808 cidades --aumento de 10%.

A maior fatia do pacote (35%, ou R$ 3,1 bilhões) era uma estimativa de quanto o Planalto deixaria de arrecadar até 2016, ao renegociar a dívida de 700 mil produtores. Foram atendidos 39 mil produtores, com dívidas de R$ 510 milhões, apenas 16% do previsto.

Máquinas de combate à seca estão quebradas

Prefeituras não fazem manutenção ou não têm garagens para veículos. Funcionários reclamam que cursos oferecidos pelas fabricantes dos equipamentos não dão treinamento adequado

Para ajudar no combate aos efeitos da seca, o governo incluiu municípios do sertão no chamado PAC Equipamentos, programa de compra e entrega de veículos, móveis e máquinas pesadas.

O programa tem sido o principal "pacote de bondades" do Palácio do Planalto aos municípios e mote das viagens da presidente Dilma Rousseff pelo país.

Prefeituras do semiárido beneficiadas pela iniciativa têm, contudo, enfrentado problemas para manter as máquinas doadas, e já existem casos de uso eleitoral dos equipamentos.

São máquinas quebradas por falta de manutenção, municípios sem garagem para guardá-las e funcionários que não aprenderam a operá-las após o rápido curso ministrado pelas fabricantes.

O governo prometeu a 1.415 cidades do sertão retroescavadeira, motoniveladora, carro-pipa, caminhão-caçamba e pá-carregadeira.

Até agora, gastou 20% do previsto, com 1.776 máquinas para 1.361 municípios.

Máquinas quebraram em pelo menos três cidades do Ceará e duas da Bahia.

Em Pedra Branca (CE), a prefeitura gastou R$ 15 mil no conserto de uma retroescavadeira que quebrou e passou dois meses parada.

Houve também, em Bonito (BA), uso da retroescavadeira na eleição municipal de 2012: cabos eleitorais do candidato do prefeito, do PSD, desfilaram na máquina durante a campanha.

Dois funcionários da Prefeitura de Quiterianópolis (407 km de Fortaleza) fizeram o curso e não conseguiram operar as máquinas. O município mantém há dois meses um operador experiente de outra cidade para orientá-los.

Um dos operadores de máquinas de Pedra Branca, João Paulo Siqueira, 31, diz que o curso é insuficiente. "Fiz esse curso há três anos para trabalhar em uma empresa, mas durou seis meses. Agora fiz de novo pela prefeitura e foi só uma semana", disse.

Em Barro (CE), a retroescavadeira e a motoniveladora pernoitam no pátio de um posto de gasolina às margens da BR-116.

Parte do dinheiro já foi liberado, afirma ministério

O Ministério da Integração Nacional, que coordena o combate federal à seca, informou que as ações estão em andamento e que parte dos recursos já foi liberada.

A pasta diz que acelerou a instalação de cisternas e que, de janeiro a maio, foram entregues 74 mil. A meta até julho é de 130 mil.

Sobre cisternas abandonadas em Canindé, a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) no Estado diz que a instalação ficou parada por 20 dias por problemas com a empresa e que o trabalho foi retomado. A prefeitura diz que a ação continua lenta.

A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) afirma que faltou milho nos leilões para aquisição do grão por causa das exigências feitas aos compradores.

O Ministério da Integração diz que os recursos para aumento de 30% nos carros-pipa estão disponíveis, mas ainda não houve tanta demanda dos municípios. Diz que os pedidos de carro-pipa são analisados com rapidez.

O Exército afirma que há dificuldade em encontrar carros-pipa para contratar e em achar mananciais de água em condições de consumo.

Sobre as máquinas do PAC Equipamentos, o Ministério do Desenvolvimento Agrário diz exigir relatórios de uso do material e que faz acompanhamento por amostragem.

Afirma ainda que cursos de 40 horas para motoniveladoras e 16 horas para retroescavadeiras são para nivelamento técnico de funcionários das prefeituras que já atuam na operação de máquinas.

O prefeito Edinho (PSD), de Bonito (BA), não quis comentar o uso político da retroescavadeira. A Prefeitura de Pedra Branca (CE) diz que a retroescavadeira já está funcionando. A Prefeitura de Barro (CE) afirma que irá fazer uma garagem para as máquinas.