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18.08.2010
Pela segurança alimentar
Jornal - Diário do Nordeste


Por Iracema Sales

Um retorno às práticas tradicionais da agricultura. Este é também um dos desafios propostos pelos defensores das tecnologias sociais, como propõe Cristina Nascimento, coordenadora executiva da Articulação no Semiárido (Asa) no Ceará, esclarecendo que essas práticas podem potencializar as estratégias de convivência dos agricultores com o semiárido. "O moderno hoje é voltar às práticas tradicionais como a guarda de sementes", conclama. Mas os desafios não terminam por aí, sendo necessário conquistar os agricultores para o exercício efetivo das tecnologias sociais que, à primeira vista, parecem andar na contramão da modernidade. No entanto, garante Cristina Nascimento, o homem do campo, em especial das regiões semiáridas precisa aprender a refazer o caminho trilhado pelos seus antepassados. É que os processos modernos mostram-se insuficientes para conter os avanços provocados pelas mudanças climáticas que se alinhavam. Embora não exista consenso entre a comunidade científica sobre o aumento dos graus da temperatura no semiárido, num ponto os especialistas convergem: quanto aos impactos.

Para Cristina Nascimento, "os impactos virão" daí ser necessário a preparação da comunidade para enfrentá-los, justificando que a Asa não dispõe de estudos sobre relação entre mudanças climáticas e a produção agrícola. Se faltam estudos, sobram práticas e técnicas que remontam aos antepassados dos habitantes do Semiárido neste século XXI. "Estamos realizando um grande debate com o conjunto dos agricultores a fim de que busquem outras perspectivas de produção no Semiárido". Uma das práticas mais danosas às regiões semiáridas é a monocultura, que consiste no plantio exaustivo de uma cultura, o que favorece o empobrecimento do solo. A prática é bastante conhecida no Semiárido, vício que se reflete não apenas no solo, mas também na mesa e, consequentemente, na alimentação do sertanejo, que perde na diversificação. Umas das monoculturas mais tradicionais no semiárido nordestino é o plantio da mandioca, seguido pelo de milho e de feijão.

"É preciso diversificar a produção do Semiárido", diz, citando o município de Irauçuba, localizado na região Norte do Ceará, sendo um dos maiores núcleos de desertificação do Brasil, que está conseguindo bons resultados com a aplicação de tecnologias sociais.

Com a aplicação de técnicas agroflorestais estão sendo resgatados vários olhos d´água. "É um exemplo de que o homem está aprendendo a lidar com o meio ambiente", observa, completando que, embora não exista um modelo único para o desenvolvimento do Semiárido, aposta no incentivo à agroecologia, baseada na diversificação e no resgate de plantas nativas.

Sementes guardadas em garrafas fechadas com cera de abelha, incentivo à construção de pequenas hortas e quintais comunitários são práticas que, embora pareçam estar na contramão da tão propalada modernidade, surgem como uma luz no fim do túnel quando o assunto é mudanças climáticas.

Atuação - Na realidade, para as pessoas que trabalham no terreno das tecnologias sociais, o Semiárido representa um espaço geográfico dotado de características particulares. A distribuição irregular de chuva é uma delas, porém perfeitamente habitável.

"A gente passa do pressuposto até mesmo porque historicamente ele foi habitado", esclarece Cristina Nascimento. Já se foi o tempo em que o problema do Semiárido era apenas de água. Hoje, o espaço é trabalhado na perspectivas de que é possível criar estruturas para armazenar água, não apenas para o consumo humano e de animais, mas investir na produção de alimentos. A base para esse novo olhar em torno do Semiárido é a entrada em cena das tecnologias sociais. A construção das cisternas de placa representa uma das primeiras dessas tecnologias realizadas pela Asa em parceria com outras entidades. No Nordeste, um milhão de pessoas estão envolvidas, somando 300 mil construídas pela Asa em todo o Semiárido.

"A tecnologia faz a diferença na vida das pessoas, que acumulam água para beber, e garantindo a segurança alimentar", ressalta Cristina Nascimento, justificando ser a cisterna de placa a porta de entrada para outras tecnologias. Destaca o processo de mobilização da comunidade em torno da construção da cisterna, cujo custo é estimado em menos de R$ 2 mil.

Afirma que o Ceará é um dos Estados mais avançados no que diz respeito à construção de cisternas de placa. Até agora foram construídos 18 mil no Estado, através da parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e Asa. A parceria com o governo do Ceará e a Asa possibilitou a construção de 24 mil cisternas, até agora, sendo projetada a construção, até 2011, de 100 mil cisternas. O MDS, em parceira com as prefeituras e a Asa Brasil, já conseguiu construir 500 mil cisternas.

Política pública - Uma prova de que as tecnologias sociais podem virar políticas públicas é o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), incorporado pelo MDS, como ação do governo federal.

É importante lembrar que a iniciativa do programa partiu da sociedade civil, executada pela Asa Brasil. "É uma política de governo, ainda não é uma política pública", ressalva Cristina Nascimento, destacando a capilaridade da ação. Como prova da aceitação dessa política, desde o ano passado, o governo federal abriu edital incorporando o Programa Uma Terra Duas Águas (P1+2), que complementa o P1MC e possibilita a inclusão de ações produtivas, a exemplo dos quintais produtivos. Uma água é para o consumo, e a segunda, para a produção, na cisterna calçadão, com capacidade de armazenar 52 mil litros de água.

Além das cisternas de placa para consumo humano, existem as cisternas de enxurradas, tanques de pedras e barragens subterrâneas, que estão sendo desenvolvidas por outras entidades. As cisternas de calçadão, que garantem o abastecimento animal por um ano e meio, já somam mais de mil, em toda a região do semiárido. "Não faz sentido importar tecnologias", observa, destacando a importância de passar o conhecimento para outras pessoas, uma vez que elas são desenvolvidas em todos os Estados nordestinos.

Os quintais produtivos possibilitam a diversificação das árvores frutíferas e plantas medicinais, ficando assegurada mais do que alimentação, mas a garantia do ecossistema para futuras gerações.

Tecnologias sociais

Conheça algumas

Cisternas de placa - construções usadas para o armazenamento de água para o consumo humano e animal

Cisterna de calçadão - alternativa simples e barata, com a finalidade de captar água da chuva para garantir a segurança alimentar no Semiárido

Consórcio ecológico - prática que tem como principal objetivo o combate a monocultura, investe na diversidade de plantios de forma consorciada. Exemplo: milho/feijão, gergelim/algodão

Mandala - proposta inovadora de desenvolvimento com ênfase na comunidade, utiliza metodologia de cultivo agrícola em forma circular, tendo no centro o reservatório de água

Quintais ecológicos - consistem no aproveitamento de pequenos espaços que são utilizados para o cultivo de árvores frutíferas, agricultura de subsistência, hortas, plantas medicinais e para a criação de pequenos animais.

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